Entre Fato e Fé
A história do Antigo Egito sempre foi envolta em mistério, simbolismo e poder. Mas, entre as páginas douradas dos registros faraônicos, poucas figuras se destacam tanto quanto Hatshepsut. Não apenas por ter sido uma mulher que ousou ser faraó, mas porque há quem acredite que ela tenha desempenhado um papel vital em uma das narrativas mais icônicas da humanidade: a do Êxodo.
Seria Hatshepsut a mãe adotiva de Moisés, o libertador dos hebreus?
A hipótese não é nova, mas ganha força quando se observa a cronologia do reinado de Tutmés II e as descobertas arqueológicas recentes. Especialmente relevantes são os achados sobre a tumba intacta de Tutmés II, que fornecem pistas sobre o contexto político e cultural da época — e que alguns estudiosos relacionam diretamente à história de Moisés (leia a análise detalhada aqui).

Além disso, é inegável que a fascinação mundial pelo Egito Antigo sempre foi terreno fértil para conjecturas. As imponentes pirâmides, por exemplo, frequentemente aparecem no centro de teorias da conspiração que extrapolam os limites da arqueologia e da fé. Estas teorias, ainda hoje populares, ajudam a entender como a figura de Hatshepsut pode ser reinterpretada ao longo do tempo (confira esta discussão sobre pirâmides e teorias da conspiração).
Este artigo propõe uma jornada entre o que se sabe historicamente e o que se especula com base em tradições antigas, para reconstruir a vida desta mulher singular. Ela foi faraó, rainha e, talvez, mãe simbólica de um profeta. Conheça Hatshepsut: a mulher que pode ter desafiado impérios, superado perdas e acolhido um menino hebreu como filho.
Filha de Faraó e Herdeira por Direito
Hatshepsut nasceu no seio da realeza egípcia, filha do faraó Tutmés I e da rainha Ahmose. Segundo a tradição egípcia, a linhagem real se transmitia pela linha feminina, o que fazia de Hatshepsut a herdeira legítima do trono. Contudo, o Egito era uma sociedade profundamente patriarcal, onde o poder político só era plenamente aceito quando exercido por homens.
Para legitimar sua posição, Hatshepsut teve que se casar com seu meio-irmão, Tutmés II. Mesmo sendo descendente direta da rainha consorte, seu direito ao trono só foi reconhecido após essa união forçada. Esse cenário evidencia o conflito entre a tradição dinástica feminina e o machismo estrutural do sistema de governo egípcio.
Hatshepsut não se contentou com o papel secundário. Quando Tutmés II morreu, ela inicialmente atuou como regente do enteado Tutmés III, mas logo tomou o poder para si e se declarou faraó pleno — vestindo as insígnias e trajes reais tradicionalmente masculinos.
A linhagem real se transmitia pela mulher
No Egito Antigo, especialmente durante o Reino Novo, acreditava-se que o sangue divino fluía pelas mulheres. Essa crença fundamentava uma estrutura dinástica na qual a legitimidade do trono era garantida não apenas pelo faraó, mas principalmente por sua união com uma esposa de sangue real. A realeza era concebida como uma herança espiritual passada pela mulher — filha direta dos deuses — que transmitia a legitimidade ao marido e aos filhos. Por isso, o casamento com uma irmã ou meia-irmã era comum entre os faraós, pois assegurava a pureza da linhagem e reforçava a conexão com o divino.
A principal esposa do faraó, conhecida como “Grande Esposa Real”, não apenas consolidava politicamente o reinado, mas exercia também um papel religioso, muitas vezes ostentando o título de “Esposa do Deus Amon”. Essa função sagrada a posicionava como intermediária entre os deuses e o trono, dando ao faraó uma legitimidade espiritual que ia além da política. Por outro lado, filhos de concubinas ou esposas secundárias só podiam ser considerados herdeiros legítimos se se casassem com uma princesa real, restaurando assim o elo com a linhagem divina. Embora o poder real passasse pelo sangue das mulheres, elas próprias não eram, em geral, esperadas como governantes. Ainda assim, essa lógica matrilinear explicaria por que Hatshepsut, como filha legítima do faraó Tutmés I com a esposa principal, era a verdadeira herdeira do trono — mesmo que o poder, formalmente, tenha sido transferido a seu meio-irmão e marido, Tutmés II.
E por que o homem assumia o título, então?
Apesar da centralidade feminina na transmissão da linhagem real, a sociedade egípcia era fortemente patriarcal. O poder, na sua expressão visível, era masculino. O faraó era considerado a encarnação de Hórus, o deus-falcão, guardião da ordem cósmica conhecida como Ma’at. O ideal de governante estava firmemente atado à imagem de um homem forte, guerreiro, defensor das fronteiras e mantenedor da estabilidade do universo. Nesse contexto simbólico e religioso, o título de faraó era reservado ao homem, enquanto a mulher era vista como sustentadora e legitimadora, mas não como portadora direta do cetro de poder.
Mesmo quando mulheres ascendiam ao trono como regentes — governando em nome de filhos ainda crianças — isso era entendido como uma medida temporária, quase uma extensão da maternidade, e não como um exercício pleno da autoridade real. Para uma mulher tornar-se faraó de fato, era necessário muito mais do que linhagem: era preciso romper com as imagens tradicionais do poder e reconfigurar o próprio simbolismo do trono. O Egito não estava preparado para ver o rosto de uma mulher representando Hórus. Por isso, ainda que o sangue que conferia direito ao trono fosse o delas, eram os homens que o recebiam formalmente e o exerciam aos olhos do povo e dos deuses.
Hatshepsut: a exceção que confirma a regra
Foi nesse cenário que surgiu Hatshepsut, uma mulher cuja trajetória rompeu com os limites impostos à sua condição de rainha. Filha legítima do faraó Tutmés I com sua Grande Esposa Real, ela era a sucessora natural da linhagem divina. Para legitimar o trono de seu meio-irmão, Tutmés II — filho de uma concubina — Hatshepsut casou-se com ele, reforçando a autoridade dele através do próprio sangue. Quando Tutmés II faleceu, deixou como herdeiro apenas um filho pequeno, Tutmés III, também filho de concubina. Hatshepsut assumiu então o trono como regente, posição comum às rainhas-mães. Mas ela não se contentou em governar nos bastidores.
Com o tempo, Hatshepsut acumulou títulos e funções que a colocaram acima da mera regência. Ela passou a se apresentar como faraó de fato, adotando roupas masculinas, usando barba postiça nos rituais e assumindo todos os títulos e insígnias associados aos reis do Egito. Essa ressignificação dos símbolos de poder, para além do masculino, foi uma manobra política sofisticada — um exemplo de como os símbolos moldam a percepção coletiva e legitimam quem os carrega (entenda mais sobre como os símbolos moldam nossa percepção).
Sua representação nos templos e estátuas era deliberadamente masculina, ainda que os textos reconhecessem seu gênero. Hatshepsut não apenas governou — ela remodelou os próprios símbolos do poder para que uma mulher pudesse habitá-los sem que a estrutura ruísse.
Seu reinado foi marcado por estabilidade, grandes obras e fortalecimento das rotas comerciais, como a famosa expedição à Terra de Punt. Mas o mais notável foi sua habilidade política em transformar uma exceção em regra durante quase duas décadas. A sua ascensão não anulou o sistema patriarcal, mas demonstrou que, em certas circunstâncias, uma mulher poderia não apenas participar do poder, mas ocupá-lo integralmente — desde que fosse capaz de reescrever as regras do jogo.
Essa ousadia política também nos permite imaginar que Hatshepsut poderia ter tomado outras decisões igualmente transgressoras. A relação entre o poder simbólico, a percepção pública e as convicções individuais é um reflexo do imaterial na consciência humana, influenciando desde a política até as crenças mais profundas (leia sobre os reflexos do imaterial na consciência humana).
A narrativa bíblica de Moisés, salvo das águas do Nilo e adotado como filho por uma princesa egípcia, ganha novo significado à luz do perfil dessa mulher. Se havia alguém no Egito com autoridade, sensibilidade e coragem suficientes para acolher um menino hebreu e criá-lo como príncipe, esse alguém era Hatshepsut. Seu reinado já era, por si só, um desafio às normas sociais; adotar um bebê de origem estrangeira talvez tenha sido apenas mais uma forma de afirmar que o verdadeiro poder não respeita as convenções — ele as transforma.
A Dor da Maternidade
Apesar do seu poder político, a vida pessoal de Hatshepsut foi marcada por perdas. Ela teve apenas uma filha conhecida, Neferura, fruto de sua união com Tutmés II. Neferura era frequentemente representada nas esculturas e relevos ao lado da mãe, o que indica seu papel central no governo e na sucessão. Muitos egiptólogos acreditam que ela foi treinada para assumir responsabilidades religiosas e administrativas.
Contudo, Neferura desaparece dos registros históricos ainda jovem. Sua morte precoce, somada à ausência de um filho homem, teria deixado uma lacuna emocional e dinástica na vida do faraó. Hatshepsut, enquanto mulher, experimentou a dor da maternidade não concretizada na continuidade do seu legado biológico.
Essa dimensão da dor feminina, silenciosa mas transformadora, ecoa em muitas narrativas antigas — como a da Mulher de Jó, que perdeu todos os seus filhos e ainda assim permaneceu como pilar de fé e resistência em meio à tragédia (entenda a história da mulher de Jó e sua força silenciosa).
Essa perda pode ter aberto espaço para a adoção simbólica de uma criança. Segundo tradições judaico-cristãs, a filha de Faraó salvou um bebê hebreu das águas do Nilo e o criou como filho. Historicamente, quem teria esse poder, autonomia e empatia no Egito daquela época? Hatshepsut é uma das poucas candidatas plausíveis.
Adoção de Moisés – Entre História e Tradição
O capítulo 2 do livro de Êxodo narra que a filha do Faraó encontrou um bebê hebreu flutuando em um cesto nas águas do Nilo. Movida por compaixão, ela o adotou e o chamou de Moisés. Curiosamente, o nome tem origem egípcia: mses ou mes, que significa “nascido de” ou “gerado por”. Nomes como Tutmés (nascido de Thot) ou Ramsés (nascido de Rá) seguem essa lógica.
No caso de Moisés (Mose), o nome parece incompleto — como se faltasse o nome da divindade. Isso pode indicar que ele foi, de fato, batizado segundo os costumes egípcios, mas sem vinculação com os deuses locais — reforçando a ideia de que sua adoção foi um ato deliberadamente não religioso, talvez político ou emocional.
Hatshepsut, como filha de faraó e governante com independência incomum, teria autoridade para manter a criança dentro do palácio e protegê-la da política opressora do pai ou de um faraó subsequente. Assim, a adoção de Moisés pode ter sido tanto um ato de empatia materna quanto uma escolha estratégica. Um filho simbólico, criado como príncipe — e, futuramente, libertador. Esse pano de fundo também ajuda a contextualizar reflexões mais amplas sobre o papel espiritual de Moisés em sua geração — especialmente quando consideramos elementos celestiais e intervenções angelicais que marcaram sua trajetória, como analisado no vídeo O Mistério dos Anjos na Linha do Tempo de Moisés.
Quem foi a filha de Faraó? Tradições e hipóteses ao redor da mãe adotiva de Moisés
Embora o texto bíblico (Êxodo 2:5-10) não mencione o nome da filha de Faraó que salvou e criou Moisés, diferentes tradições religiosas e históricas oferecem interpretações variadas:

Essas tradições, apesar de divergentes, apontam para a existência de uma mulher nobre, poderosa e compassiva, cuja escolha impactou toda a história do povo hebreu. Hatshepsut, como hipótese histórica, fortalece a ponte entre fé e arqueologia.
Um Reinado Marcado pela Espera?
Durante cerca de 20 anos, Hatshepsut reinou como faraó. Seu governo foi marcado pela estabilidade, crescimento econômico e obras monumentais. Ela adotou iconografia masculina, mas manteve títulos femininos em muitos registros — evidenciando uma fusão única entre os papéis de rainha e rei.
Alguns estudiosos especulam: será que seu reinado também foi um tempo de espera? Teria ela assumido o trono para proteger o Egito até que seu “filho adotivo” estivesse pronto para retornar? Teria ela guardado o trono para Moisés, até que ele, ao se identificar com o povo hebreu, decidisse abrir mão da herança egípcia?
Essa hipótese carrega uma poderosa carga simbólica. Mesmo sem evidências diretas, é plausível imaginar que uma mulher que sofreu perdas, desafiou a ordem e adotou um menino abandonado, pudesse reinar por ele — nutrindo a esperança de vê-lo retornar.
A Tumba, a Serva e a Múmia Perdida
Hatshepsut mandou construir um dos mais impressionantes templos mortuários do Egito, em Deir el-Bahari. Mas, ironicamente, sua múmia permaneceu desaparecida por séculos.
Em 2007, a egiptóloga Zahi Hawass anunciou que uma múmia encontrada na tumba KV60 (já conhecida, mas até então não identificada) era, de fato, Hatshepsut. A múmia estava no chão, sem caixão, enquanto sua ama de leite, Sitre-In, estava confortavelmente sepultada no sarcófago real.
Essa inversão trágica reforça a ideia de que Hatshepsut foi deliberadamente apagada da história após sua morte. Seus monumentos foram destruídos, seus nomes riscados, sua identidade confundida com a de uma serva.
Teria sido punida por ser mulher? Ou por ousar agir como mãe de um hebreu, em plena oposição ao poder vigente?
Hatshepsut Revelada: A Rainha Que Moldou o Destino de Moisés e o Futuro do Egito
Para entender a complexidade da figura de Hatshepsut — não apenas como uma rainha poderosa, mas como mãe adotiva e guardiã estratégica de Moisés — é essencial mergulhar em obras que exploram sua trajetória política, o contexto histórico do Egito Antigo e as nuances culturais que moldaram essa época.
- “Hatshepsut: A Mulher Faraó” de Maria Helena Trindade Lopes traz uma biografia detalhada que revela o perfil político e humano da rainha. Esse livro é fundamental para compreender o papel dela como governante que desafiou as convenções patriarcais e criou um ambiente onde Moisés pôde crescer protegido, entrelaçando sua história pessoal com a do Egito.
- “Faraona de Tebas: Hatshepsut, Filha do Sol” de Francis Fevre oferece uma perspectiva literária e emocional da vida da rainha. Através do romance histórico, o leitor pode captar as motivações, desafios e escolhas pessoais de Hatshepsut, evidenciando o lado maternal e estratégico de sua relação com Moisés, muito além dos fatos frios da história oficial.
- “História do Egito Antigo” de Nicolas Grimal apresenta um panorama acadêmico rigoroso sobre o contexto social, religioso e político do Egito durante o reinado de Hatshepsut. Para compreender as forças que influenciaram tanto a rainha quanto Moisés, este estudo é uma fonte indispensável que fundamenta a narrativa histórica com bases sólidas.
- “O Livro dos Mortos: Antigo Egito” (Camelot Editora) aprofunda nas crenças espirituais e rituais que permeavam a época, oferecendo uma visão essencial para entender o ambiente cultural e religioso em que Hatshepsut e Moisés viveram — elementos que ajudam a explicar a complexidade da adoção e proteção do jovem hebreu.
- “Egito Antigo: História e Curiosidades” de Marcell Mazzoni é uma leitura acessível que traz fatos e detalhes interessantes sobre o Egito Antigo, ideal para complementar o conhecimento e alimentar a imaginação sobre o cenário onde se desenrola essa fascinante história.
Essas obras juntas formam um mosaico que ilumina as três faces de Hatshepsut: a rainha política, a mãe adotiva e a guardiã do futuro libertador, Moisés. Indico esses livros para quem quer ir além dos relatos tradicionais e entender a profundidade histórica, cultural e humana por trás dessa narrativa tão rica e impactante.
Mãe do Libertador?
A história de Hatshepsut ainda é cheia de lacunas. Mas há pistas suficientes para considerar uma interpretação alternativa e comovente: a de que essa mulher extraordinária foi a mãe adotiva de Moisés. Seu reinado, marcado por estabilidade e humanidade, pode ter sido também um gesto de resistência materna e espiritual.
Mesmo que os registros históricos nunca confirmem totalmente essa hipótese, ela permanece viva nas margens entre a fé e a história.
Se for verdade, Hatshepsut não foi apenas rainha, nem apenas faraó. Foi mãe do libertador de Israel, mulher que enfrentou o machismo de seu tempo, as perdas da maternidade e a opressão política – para guardar, educar e amar um menino destinado a mudar o mundo.
A história de Hatshepsut, marcada por poder, perdas e ousadia, nos convida a refletir sobre as complexidades do passado e os mistérios que ainda envolvem a origem de Moisés. Será que essa mulher incrível foi mesmo a princesa que, desafiando convenções, acolheu um menino hebreu e mudou o curso da história?
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